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quarta-feira, 16 de abril de 2008

FOI O REMÉDIO. OU A FALTA DELE...

(Artigo publicado no jornal O Popular de 16/04/08.)

Não sei em quê vai dar a investigação do caso da garota Isabella Nardoni, jogada do 6o andar de um prédio em São Paulo. Mas uma das hipóteses é que pai ou madrasta acabem por confessar o crime e alegue algo como “um surto temporário”.

Há muito tempo a lei já não aceita “emoção” ou “paixão” (nem embriaguez) como motivos suficientes para a inocência – afinal, em todo ato há alguma “emoção” envolvida, e se fôssemos aceitar a emoção como justificativa, quase nada poderia ser punido e a barbárie estaria oficialmente instaurada. Assim, todo marido traído sabe que vai ter que guardar para si a sua raiva, não podendo mais “lavar a honra” tirando a vida do “Ricardão” ou da esposa.

Mesmo assim, os transtornos psiquiátricos ainda são uma boa escapatória legal. Se houver algum transtorno no momento de um crime, e houver uma relação entre o dois, a pena pode ser diminuída ou mesmo considerar-se o autor inimputável – isto é, não será condenado (mas geralmente é obrigado a ficar internado, até que se considere não haver mais o transtorno mental ou riscos por causa do transtorno).

Na falta de outra alternativa, muitas vezes tenta-se usar um suposto transtorno mental como justificativa. Isto às vezes cansa a nós, psiquiatras, pois é apenas mais um entre tantos fatores que ajudam a estigmatizar não apenas nossa profissão mas, especialmente, os portadores reais de transtornos mentais. A atitude de tentar justificar um crime alegando “insanidade mental” só reforça o tabu de que “os loucos são perigosos”.

Lembro-me de alguns casos recentes. Estilista Ronaldo Ésper furta vasos em cemitério – alegou que tinha tomado dois comprimidos no dia. Rabino Henry Sobel furta gravata nos EUA – alega que estava sob efeito de remédios. (Assim como chamam os antidepressivos de “a pílula da felicidade”, parece que agora temos a “pílula do furto”). Funcionária pública goiana é acusada de desvio de dinheiro, usado boa parte em clínica de estética – passa-se uns dias em uma clínica. Empresária goiana é acusada de torturar garota – alega-se traumas de infância. Não fui o médico de nenhum desses casos, não posso julgá-los. Só quero apontar como a Psiquiatria tem se tornado uma alternativa cada vez mais comum para justificar atos criminosos.

Nunca vi ninguém dizer que estava “fora de si” ou sob efeito de remédios ao cometer um ato digno de elogio, como salvar uma criança se afogando. FUI EU! Mas se fui pego com a boca na botija, em ato ilegal, ah, não fui eu, não. “Foi o remédio que eu tava tomando.” Ou a falta dele...


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